O discurso comum e a linguagem mediática confundem frequentemente termos importantes que definem condutas distintas.
O caso típico é o da distinção entre o furto e o roubo.
Estas duas condutas configuram crimes contra a propriedade, cuja característica central é o objectivo do agente do crime: a subtracção de um bem móvel alheio. De resto, estes dois crimes distiguem-se claramente um do outro, quer pelos métodos empregues para atingir esse fim, quer, consequentemente, pelo conjunto de bens e valores lesados.
O crime de furto consta actualmente do artigo 203.º do Código Penal, o Decreto-lei n.º 48/95, de 15 de Março, o qual, a título de curiosidade, em 16 de Fevereiro de 2011 recebeu a sua 27.ª alteração nos seus 16 anos de existência.
O que consta desse artigo?
Consta que, “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa” (n.º1), que a “tentativa é punível” (n.º2) e que o “procedimento criminal depende de queixa”.
Esta é a configuração do que se costuma chamar um furto simples.
Por partes:
1 - Só existe furto quando o objecto subtraído for móvel e alheio. Ou seja, a coisa não pode ser uma casa ou um terreno, tem de ser algo que se possa transportar ou mover (uma carteira, dinheiro, um par de sapatos ou uma viatura) sobre a qual o autor do delito não tenha um direito legal de propriedade;
2 - É necessário que haja uma intenção ilegítima de apropriação – isto significa que quem subtrair para recuperar alguma coisa que é seu ou apenas para a utilizar durante um período limitado, não comete furto;
3 - Não é necessário que a subtracção seja consumada para que haja crime, a tentativa é tão punível como o acto concretizado;
4 - O crime é semi-público, ou seja, para que haja lugar à apreciação judicial dos factos e a uma eventual pena, a vítima tem de manifestar o desejo de procedimento criminal contra o(s) autor(es), ainda que sejam desconhecidos através da apresentação formal de uma queixa-crime. Este detalhe não é despiciendo, considerando que, quando o lesado não apresenta queixa, também está a limitar o campo de acção das autoridades policiais que não farão mais do que identificar todos os intervenientes conhecidos e a registar sumariamente a ocorrência. Não haverá possibilidade de efectuar detenções ou iniciar qualquer investigação.
Para além do furto simples, também existe o furto qualificado que tem contornos mais graves, quer considerando a conduta, quer a qualidade dos bens subtraídos.
Contrariamente ao que acontece com o furto simples, a redacção do crime de furto qualificado, previsto e punido pelo Artigo 204.º do Código Penal, permite às autoridades policiais iniciar diligências de inquérito imediatamente, sem ser necessária a queixa do lesado. O início a investigação é precedida de comunicação à autoridade titular da acção penal, ou seja, o Ministério Público, de acordo com a delegação de competências que existir para essa matéria.
O texto do artigo 204.º (furto qualificado) indica o seguinte:
“1 - Quem furtar coisa móvel alheia:
a) De valor elevado;
b) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais;
c) Afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;
c) Afecta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;
d) Explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum;
e) Fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança;
f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;
g) Com usurpação de título, uniforme ou insígnia de empregado público, civil ou militar, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;
h) Fazendo da prática de furtos modo de vida; ou
i) Deixando a vítima em difícil situação económica;
é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - Quem furtar coisa móvel alheia:
2 - Quem furtar coisa móvel alheia:
a) De valor consideravelmente elevado;
b) Que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico;
c) Que por sua natureza seja altamente perigosa;
d) Que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em colecção ou exposição públicas ou acessíveis ao público;
e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; ou
g) Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando;
é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
3 - Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena.
4 - Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.”
Na sua essência, quer o crime de furto (simples), quer o de furto qualificado são praticados sem que haja necessariamente um contacto pessoal entre a vítima e o autor ou, havendo, esse contacto processa-se de forma não violenta.
É o caso tanto da pessoa que subtrai um pequeno objecto do expositor de uma loja saindo sem pagar, como o do carteirista ou do indivíduo que se introduz numa viatura vazia e a leva.
Coisa diferente é o crime de roubo, no qual a metodologia implica a utilização de violência que coloca a vítima na impossibilidade de resistir à acção criminosa. O acto violento, como a agressão física, a ameaça verbal ou a utilização de qualquer objecto que sirva como arma altera a substancia da conduta e a apreciação penal que dela se faz.
O crime de roubo, está previsto no Artigo 210.º do Código Penal, actualmente com a seguinte redacção:
“1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:
a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.”
Agora que sabe isto, não chame furto ao roubo ou roubo ao furto.
Já agora. Um assalto é uma investida impetuosa, violenta e surpreendente.
O termo utiliza-se na linguagem militar e policial para designar as intervenções com essas características, mas a sua utilização vulgarizou-se para designar a prática do crime de roubo ou de furto qualificado, especialmente quando envolva arrombamento, escalamento ou chaves falsas, apesar de não ter significado no direito penal .
Recomendo uma consulta ao sítio da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, a qual, mantém um excelente acervo de legislação actualizada.
Até breve!
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