quinta-feira, 30 de junho de 2011

Situational Crime Prevention: A Prevenção Situacional

Ao contrário da maioria das teorias da criminologia, a Situational Crime Prevention ou Prevenção Situacional (Ronald V. Clarke) como é frequentemente utilizado nos discursos em português, não se preocupa com as origens e causas do crime ou do desvio.

Nesta teoria, assume-se que as pessoas, com determinada predisposição, colocadas em circunstâncias favoráveis, tendem a romper com a norma e a cometer delitos.

Assim, a Prevenção Situacional defende que o esforço preventivo deve estar concentrado na criação de condições que inibam a predisposição e eliminem as circunstâncias espaciais e materiais favoráveis ao delito.

Basicamente, pretende-se, numa perspectiva muito prática, que o criminoso sinta que não tem condições para cometer o crime ou que, se o cometer, existe uma forte probabilidade de ser detectado (a propósito deste ponto leia Routine Activity Theory).

A Prevenção Situacional parte da análise das circunstâncias particulares de um dado tipo de crime, para conceber estratégias de redução de riscos na potencial vítima e aumento de dificuldades e riscos no potencial criminoso.

A implementação dessas estratégias preventivas incide em alterações nas políticas de gestão, caracterizando-se por uma ostensividade muito baixa e tendo como objectivo, não a penalização dos delinquentes mas a eliminação das possibilidades de ocorrência do delito.

Assim, a Prevenção Situacional pode ser aplicada a variados contextos de risco criminal por qualquer tipo de indivíduo ou organização, pública ou privada, com ou sem responsabilidades formais na segurança própria ou de outrem, porque a sua preocupação não é a da justiça mas a da prevenção pura.

A análise e métodos da Prevenção Situacional podem e devem ser utilizados de forma autónoma por todos aqueles que têm responsabilidades e interessam especialmente a empresas, estabelecimentos comerciais, escolas, infantários e jardins-de-infância, hospitais, sistemas e redes de tráfego e de transportes, parques de estacionamento, bares e discotecas, etc.

Em resumo a Prevenção Situacional visa:
  • Reduzir as oportunidades dos criminosos cometerem crimes;
  • Abalar a confiança dos criminosos relativamente ao sucesso do crime, da fuga e da possibilidade de ser identificado;
  • Tornar os alvos dos criminosos mais inacessíveis, mais arriscados e menos compensadores.
A Prevenção Situacional é uma tarefa de todos, que pode resultar:
  • Na alteração a configuração, arquitectura, iluminação ou decoração de uma sala, um edifício ou de um arruamento para o tornar mais seguro,
  • Na utilização o bom senso como forma de impedir a acção criminosa,
  • No envolvimento de colegas e vizinhos na vigilância dos valores de uso comum,
  • No trabalho em rede, procurando parceiros interessantes,
  • No adequado apoio à Polícia e na solicitação de apoio à Polícia.
A Prevenção Situacional não é:
  • O uso de armas como forma de protecção,
  • A solução para todos os problemas de um negócio,
  • Mover o fenómeno criminal para outro lado ou outra vítima,
  • Um investimento necessariamente dispendioso.

Este assunto relaciona-se com:
Saiba mais sobre Prevenção Situacional lendo:

§  Situational Crime Prevention: Successful Case Studies, Clarke, R. (ed.) Harrow and Heston, Publishers, New York, 1997


Até breve!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Tiroteio no Colombo: vigilância e segurança privada

Na sequência do “Tiroteio no Colombo” ocorrido no passado dia 25 de Junho e noticiado pela LUSA e outros órgãos de comunicação social, o Diário de Notícias noticiou que a Associação Nacional de Vigilantes (ANV) reclamou mais poderes para os seguranças privados poderem intervir nestes casos, nomeadamente, a utilização das armas eléctricas, vulgarmente conhecidas por taser.
Como é habitual nestas circunstâncias, o enfoque da discussão está descentrado.
Sabe-se por experiência e reflexão científica que o aumento de meios coercivos para responder a ameaças tende a agravar o potencial da agressão.
Ou seja, armar os seguranças privados com essas ou outras armas, significará a breve trecho, um aumento da gravidade das agressões violentas a seguranças privados.
O objectivo deste blogue é incentivar a prevenção da criminalidade, especialmente aquela que atinge o comércio e dentro deste, especialmente o tradicional utilizando metodologias inteligentes e passivas, assentes em conhecimentos científicos e práticos da criminologia, aplicando a análise de risco e a alteração do meio e da conduta da potencial vítima.
A prevenção do crime faz-se, essencialmente, através da intervenção na cadeia de factos e acontecimentos que proporcionam e potenciam o delito.
Isso deve acontecer através da (1) imposição de condicionantes à motivação humana e (2) através da redução das oportunidades.
Neste prisma, não podemos deixar de criticar de forma útil e construtiva quaisquer posturas que pugnam por um aumento dos meios coercivos dos cidadãos (sejam ou não seguranças privados), como forma de prevenção do crime.
Apesar da popularidade do argumento, mais armas, simplesmente não resolvem o assunto!
O caminho é o inverso e sobre a missão da segurança privada, há que compreender o seguinte:
1.    A segurança privada é “subsidiária e complementar da actividade das forças e dos serviços de segurança pública do Estado” (artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro) e apesar da sua importância, quer na protecção de pessoas e bens quer na prevenção e dissuasão da prática de actos ilícitos, ela continua a ser distinta da segurança pública porque tem um carácter exclusivo, ou seja, o seu objectivo é essencialmente a protecção de interesses privados em domínio privado.
2.    Contrariamente à segurança privada, as forças e serviços de segurança têm um carácter inclusivo, ou seja, servem todos e não apenas alguns.
3.    O interesse público da segurança privada, a que alude o actual quadro legislativo não pode ser dissociado da componente de exclusividade do seu serviço, bem como do carácter complementar e a subsidiário da actividade face às competências desempenhadas pelas forças e serviços de segurança.
4.    Esse “interesse público” existe de facto e tem diversas dimensões das quais destacamos algumas que julgamos mais importantes:
a.    A existência de segurança privada legal a operar regularmente em domínio privado, alivia a carga das forças e dos serviços de segurança, porque a sua existência em determinados espaços garante a vigilância e a prevenção de condutas lesivas e, se estiver bem organizada e percebendo bem o seu objectivo, proporciona a comunicação atempada e correcta dessas condutas às forças e serviços de segurança apenas quando as mesmas ocorrem e, assim, permite que as forças e serviços de segurança possam empenhar mais recursos, durante mais tempo, na vigilância dos espaços públicos;
b.    A existência de vigilantes bem identificados junto de uma determinada “clientela” deve invocar em primeiro lugar um auto-controlo de cada indivíduo pertencente ao grupo da “clientela” – os contratantes e os beneficiários colaterais do serviço de vigilância.
c.    Um dos aspectos importantes da prevenção criminal com recurso às teorias da prevenção situacional (Clarke) e do policiamento orientado (Goldstein) é a redução de factores de provocação da conduta lesiva / criminosa / indesejável. A postura amistosa e colaborante de um vigilante presente, firme e com soluções para oferecer é mais importante do que um guarda pronto a expulsar ou deter alguém com recurso à postura ameaçadora, ao músculo ou a qualquer tipo de arma.
d.    Na possibilidade ou eminência dessa necessidade, o segurança privado deve recorrer às forças de segurança.
5.    Assim, o segurança privado deve funcionar cada vez mais como um assistente e menos como um guarda se quiser obter bons resultados na prevenção de condutas indesejáveis – o seu papel não é repressivo e a sua postura não deve ser militarista. Na medida do possível e contrariamente ao que acontece em Portugal, a sua apresentação deve ser menos agressiva, não recorrer a uniformes de estilo militar e abandonar ideários militaristas, da força, da reposição da ordem e da repressão criminal – não é esse o seu papel!!!
6.    A segurança privada deve estar tão próxima quanto possível de uma participação da sociedade civil na segurança individual e colectiva.
A segurança privada é um recurso de segurança valioso porque introduz o factor humano da vigilância, personalizando-a e emprestando ao dispositivo ou sistema de segurança de um estabelecimento ou espaço privado, a capacidade de interacção com o cliente de forma não opressiva.
Na grande maioria das vezes, o papel do segurança privado no domínio privado é o de prestador de informações e de orientador do cliente. Esse papel é idêntico à maior parte da actividade policial em domínio público.
Actualmente, o regime jurídico da segurança privada prevê actores novos. O preâmbulo do Decreto-lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro indica claramente que o director de segurança bem como os formadores de segurança privada vão dispor de formação específica especialmente dirigida à obtenção dos conhecimentos teóricos e práticos necessários para que o pessoal de vigilância desempenhe cabalmente as suas funções”.
Ora, seria desejável que essa formação assentasse primordialmente nos aspectos da verdadeira prevenção, focando especialmente a Teoria da Prevenção Situacional e as teorias de suporte como a Routine Activity Theory, a Criminologia Ambiental e a Teoria criminológica da Escolha Racional.
Voltaremos a este assunto. Até breve!

Leia ainda: Routine Activity Theory

Notícias do Diário de Notícias:

terça-feira, 21 de junho de 2011

Assaltos a ATM em Portugal: SIBS reage a notícias

A agência noticiosa LUSA, noticiou no dia 17 de Junho de 2011 que os assaltos a caixas multibanco diminuem desde 2009, embora os criminosos apliquem técnicas mais violentas. A informação foi veiculada pela SIBS – Sociedade Interbancária de Serviços SA, que acrescentou estar a preparar novas medidas dissuasoras.

A SIBS informou que, nos últimos meses, se tem verificado “o crescimento de novas formas de assaltos que eram novas em Portugal caracterizadas por uma violência” para a qual "… o país não estava preparado".
A SIBS admite que a maior violência e espectacularidade põem pela primeira vez em risco a segurança pública.

Aparentemente, os ladrões têm assaltado máquinas sem dispositivo de tintagem. A SIBS adiantou que as medidas dissuasoras podem passar pelo sistema de tintagem ou outros sistemas de segurança, como a redução do dinheiro disponível, com vista à “redução do benefício e do potencial de ataque”.

«Segurança no Comércio» sabe que, no Brasil, onde os assaltos com explosivos a caixas multibanco têm registado contornos alarmantes, a tintagem de notas é aplicada mas corre uma campanha das autoridades para que os comerciantes não aceitem esse dinheiro marcado. Aparentemente, o problema tem também passado pela aceitação de notas marcadas em transacções legítimas, fazendo perder o rasto a dinheiro furtado e aos responsáveis pelo crime.

Segundo José Luís Batista, administrador da SIBS em declarações à comunicação social, os assaltos às caixas Multibanco “são fenómenos com período temporal definido” e, apesar de causarem alarme, são “residuais” na rede de 14 mil equipamentos geridos pela SIBS.

Por outro lado, afirmou que os prejuízos causados pelos rebentamentos das caixas multibanco estão cobertos pelas seguradoras dos bancos proprietários ou das empresas de segurança que têm o equipamento à sua guarda.

De acordo com as mesmas fontes, esses seguros cobrem também os prejuízos registados nos edifícios.

A maior parte das tentativas e assaltos concretizados ocorreu em áreas isoladas fora dos grandes centros urbanos, onde o movimento de pessoas e o patrulhamento proporcionado pelas forças de segurança territorialmente competentes é mais reduzido.

A propósito deste tema veja a notícia do Público em: Assaltos a caixas Multibanco diminuem mas técnicas são mais agressivas.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Routine Activity Theory


No texto com o título A ocasião faz o ladrão! referi que, se uma pessoa tem uma predisposição para a subtracção, sente desejo por um bem que se encontra disponível, não existe constrangimento imediato à sua acção, as possibilidades de fuga ou de justificação do acto são boas, as probabilidades de sucesso são elevadas, então… a tentativa de furto é quase certa!

Essa afirmação não se sustenta apenas na experiência comum.

Os investigadores Marcus Felson e Lawrence Cohen conceberam a Routine Activity Theory (RAT), sintetizando as condições necessárias para a ocorrência do crime:

1 - Um alvo adequado e disponível,
2 - Um potencial criminoso devidamente motivado e
3 - A ausência de um “guardião” (seja uma figura de autoridade, protecção ou qualquer outro elemento humano ou tecnológico que desmotive o delinquente).

Esta abordagem celebrizou-se pelo acompanhamento de um gráfico triangular que corresponde à relação dos três parâmetros básicos do problema: vítima / alvo, delinquente e “guardião”.

De forma sucinta, a RAT defende que, na ausência de controlos adequados, os potenciais delinquentes intentarão contra alvos atraentes.

De certa forma, as únicas condições realmente necessárias à concretização do crime são o encontro, no mesmo local, de um potencial delinquente devidamente motivado e o respectivo alvo / vítima.

Contrariamente, se o alvo e o potencial delinquente nunca se encontrarem no mesmo local, não haverá qualquer possibilidade de ocorrência do delito.

Ainda que possam surgir circunstâncias que proporcionem o delito, a protecção poderá passar pela introdução da figura do “guardião”, alguém ou alguma coisa que exerça, pela sua presença, um controlo sobre a segurança do alvo. O "guardião" pode ser uma pessoa ou um meio físico de segurança passiva.

Felson e Cohen defendem que, para garantir uma prevenção adequada, para cada elemento constitutivo do problema criminal (delinquente, alvo/vítima e local) deve existir um elemento de controlo.

Falaremos em futuramente das formas de controlo.

Este assunto relaciona-se com:

Hot Products
O que desaparece da minha loja?
A ocasião faz o ladrão!

Até breve!

sábado, 4 de junho de 2011

A ocasião faz o ladrão!


A Teoria da Escolha Racional, sustenta genericamente que o ser humano é um actor racional que pondera os fins e os meios para os atingir, custos e benefícios, concebendo as suas opções de forma racional.
Todavia, sabemos que a maioria dos furtos em lojas tem um carácter oportunista.
O ladrão não planeia longa e elaboradamente o furto de um CD, de uma caneta, de um telemóvel ou de uma peça de roupa do expositor de uma loja, concebendo com antecedência todos os detalhes da sua acção.
Então onde está a racionalidade do acto de furtar?
A racionalidade do acto relaciona-se, mas não se confunde, com a complexidade do planeamento.

Vejamos:

1 – Boa parte das pessoas que subtrai artigos de lojas pode não ter uma “carreira criminal” e dificilmente se distingue dos clientes “normais”.

2 – Podemos pensar que algumas pessoas possuem uma predisposição para o delito que se revela na habituação ou incapacidade de resistir à tentação de se apoderar ilegitimamente de um artigo valioso apenas porque se encontra disponível e não existe ninguém a guardá-lo. Esse raciocínio não é inteiramente incorrecto. Algumas pessoas, por variadas razões que não nos interessa estar a dissecar, podem ter adquirido o hábito de subtrair artigos de estabelecimentos comerciais. Muitas vezes os artigos não têm utilidade ou valor significativo para si mas, a excitação de quebrar a barreira moral e transgredir, a sensação de poder associada à subtracção, o estatuto que se pode obter em certos ciclos do submundo através desse “acto de coragem”, o sentimento de invulnerabilidade associado ao facto de nunca se ter sido detectado, abordado, detido ou processado, entre outros.

3 – Porém, a maioria dos produtos subtraídos de lojas têm características atractivas que já referi na mensagem com o título Hot Products, cuja leitura recomendo. Essas características são determinantes para o processo de escolhas dos clientes legítimos e dos “clientes” não legítimos.

4 – Para quem subtrai do expositor de uma loja, o alvo raramente representa uma vítima. O estabelecimento comercial é um ambiente despersonalizado que o autor do furto não relaciona com o funcionário, explorador ou proprietário. Não sente, portanto, que o seu acto prejudique directa e gravemente o património de alguém e isso significa que a barreira moral a transpor é mais ténue.

5 – O agente do delito, confrontando o benefício pessoal que poderá retirar da acção com o conjunto de protecções e defesas apresentadas pelo alvo, decide agir rompendo com o normativo.

Se partirmos destes pressupostos, o conceito de “oportunidade” coloca-se num plano central. A existência ou ausência de elementos de segurança que impeçam a prática do acto pode então ser determinante.
Assim, “situação” e “disposição” são factores indissociáveis na explicação do acto, na medida em que, apenas a soma das circunstâncias de oportunidade e a presença de um sujeito disposto a delinquir, resultarão no crime.

A “disposição” é a escolha pela prática do acto em face do surgimento da oportunidade de o cometer (Gilling, Daniel (1997) – Crime Prevention: Theory, Policy and Politics, UCL Press, London). As escolhas são sempre processos complexos (ainda que aparentem ser rudimentares e simplistas), estão sujeitas a um grande número de constrangimentos de ordem pessoal, temporal, espacial e situacional que poderão influenciar a decisão de cometer o delito.
Tal não implica irracionalidade no acto, mas sim a redução dos critérios da decisão ao mínimo indispensável.

Assim, agir de acordo com a oportunidade, nada tem de irracional.

Se o delinquente tem uma predisposição para a subtracção, tem desejo pelo bem, o bem está disponível, não existe constrangimento imediato à acção, as possibilidades de fuga ou de justificação do acto são boas, as probabilidades de sucesso do acto são elevadas, então… a tentativa de furto é quase certa!

Agora que leu isto, está na altura de começar a pensar em reduzir as oportunidades para proteger melhor a sua mercadoria.

Voltaremos muitas vezes a este tema, entretanto, recomendo que leia ou releia:


Até breve!