Hoje não resisto a sair do tema habitual deste blogue, para tecer algumas considerações sobre o que se está a passar no Reino Unido.
A história parece ser essencialmente a seguinte:
Tumultos estalaram um pouco por toda a Inglaterra após um jovem de 29 anos de idade, pai de quatro filhos que dava pelo nome de Mark Duggan ter sido morto a tiro pela Polícia na sequência de uma operação de vigilância e seguimento que, aparentemente, o visava. Inicialmente foi veiculada a informação que Mark teria feito o primeiro disparo contra as autoridades. Um dos agentes fora atingido a tiro num flanco do tronco, havendo um projéctil alojado num emissor/receptor que transportava. As informações mais recentes apontam para o facto de Mark nunca ter disparado contra a Polícia.
Pelos vistos, Mark era um bom pai de família e um membro muito considerado da sua “comunidade” que também tinha ligações a um gangue local, onde era igualmente considerado. Terá sido pelas últimas e não pelas primeiras razões que a Polícia o seguia.
A comunicação social começou a exploração da notícia e iniciou-se a habitual rotina: a biografia da vítima, os depoimentos dos amigos, as colagens aos contextos sociais, raciais e culturais.
No dia seguinte a estes acontecimentos, iniciaram-se protestos pacíficos nas ruas do bairro onde Mark residia que rapidamente se transformaram em tumultos violentos.
Um grupo de cerca de 300 indivíduos juntou-se em frente às instalações da Polícia de Tottenham exigindo “justiça”.
Enquanto isso começavam as pilhagens e os ataques nas zonas de Tottenham, Enfield, Walthamstow e Brixton.
A Polícia Metropolitana de Londres tentou repor a ordem pública com os poucos meios e preparação que tem para estas situações (no Reino Unido não existe uma tradição de polícia de reposição de ordem pública. A Polícia é essencialmente, um grupo de membros da comunidade especialmente preparado e remunerado para cumprir em permanência os deveres que são de toda a comunidade, seguindo os 9 princípios de Robert Peel). A desordem alastrou a toda a cidade de Londres e a zonas de Birmingham, Liverpool, Nottingham e Bristol.
O resto é conhecido.
Atribui-se a Bertrand Russel a seguinte frase: “Os Homens nascem ignorantes, não nascem estúpidos. É a educação que os torna estúpidos.” Não queiramos precipitar-nos na interpretação desta afirmação. Bertrand Russel, era um homem superior e acima dos seus pares era um defensor da educação e da cultura.
Nas últimas décadas fomos caindo no erro de pensar que andamos a educar correctamente. Os valores das sociedades ocidentais, especialmente aquelas que conhecem o Estado Social incluem, felizmente, noções como a inclusão, a diversidade, a comunidade, o multiculturalismo.
Porém, o modelo do Estado Social ocidental disponibilizou-se a entregar tudo a todos, de qualquer forma, muitas vezes sem critério e sem questionar o “como” e o “porquê”.
Também, por receio ou por imperativo ideológico, educou para os direitos e não para os deveres.
O Estado Social tornou-se o alvo ideal da predação e do parasitismo, o apoio dos desvalidos transformou-se no privilégio dos não contribuintes, a miséria é para muitos um modo de vida que se eterniza e se transfere entre gerações de pessoas que se recusam a evoluir para o patamar seguinte, preferindo viver do subsídio do que aproveitar as oportunidades para estudar e trabalhar.
A sociedade contemporiza e tolera o intolerável. Tolera o intolerável não porque é verdeiramente tolerante, mas porque nos tornámos incapazes, impotentes e receosos de exercer a autoridade, definir claramente rumos e manter a ordem.
O que se passa no Reino Unido, não é um problema do Reino Unido, não é um problema de Polícia ou tão pouco uma questão racial.
Estamos perante um problema de “Comunidade Aparente”, achamos que temos comunidades sólidas, maduras e capazes de contribuir para a auto-regulação, mas o que a generalidade de nós entende serem as “comunidades”, não corresponde ao que as “comunidades” pensam ou querem ser.
Fica demonstrado que as comunidades de indivíduos são comunidades de valores, sendo alguns pouco visíveis e muitos distintos dos valores da generalidade das pessoas que dela não fazem parte. São comunidades que olham para dentro e para fora, distinguindo-se do resto da sociedade e sentindo-se orgulhosos disso, que discursam com o “nós” e os “outros”, que são comunidades só no sentido em que apostam na sua diferenciação e não na sua integração, que querem ser distintas, diferentes e merecedoras de um tratamento especial, e que facilmente se transformam em esconderijo e protecção de criminosos e delinquentes, se eles fizerem parte da “comunidade”.
Para sobreviver, o mundo ocidental e o Estado Social têm de mudar.
O Estado pode ser assistencial e apoiar os mais desfavorecidos, impulsionando o seu desenvolvimento pessoal, mas não pode ser fonte de resolução de todos os problemas individuais e tem de ter a capacidade de exigir e sindicar os resultados dos seus investimentos nos indivíduos, penalizando o parasitismo e a “miséria profissional”.
Quanto ao resto já tudo foi antes visto e dito.
A actuação e os discursos desastrosos das autoridades e da comunicação social obedecem sempre ao mesmo padrão idiota.